Dia dos Direitos Humanos: Bahia vive 2025 marcado por violações e insegurança
Indicadores expõem cenário crítico com feminicídios, violência armada, intolerância religiosa e ações policiais letais
Por Matheus Caldas.
O Dia Internacional dos Direitos Humanos é celebrado nesta quarta-feira (10). A data é um marco mundial, criada em 1948, para reiterar a importância de direitos fundamentais e a luta contra a discriminação e desigualdades sociais. Na Bahia, diferentes indicadores evidenciam as dificuldades que o estado possui para garantir proteção social e garantia de direitos, sobretudo a pessoas em vulnerabilidade social.
No dia em que se comemora os 77 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Aratu On lista os casos mais representativos ocorridos neste ano na Bahia, que englobam casos de feminicídio, de intolerância religiosa, violência policial e impactos em serviços básicos aos cidadãos.
1. Guerra entre facções fecha escolas e unidades de saúde no recôncavo baiano
Uma guerra entre facções criminosas em São Félix, no recôncavo baiano, provocou suspensão de atividades em repartições públicas, escolas e unidades de saúde em Muritiba, cidade vizinha localizada a cerca de quatro quilômetros. Na madrugada do dia 11 de novembro, moradores relataram intensas trocas de tiros em vários pontos da região.
O confronto teria sido provocado pela invasão de integrantes da facção carioca Comando Vermelho (CV), em uma área dominada pelo Bonde do Maluco (BDM) - principal rival.
Diante da situação, a prefeitura de Muritiba comunicou a suspensão temporária das atividades em escolas, postos de saúde e demais repartições públicas. Na ocasião, a gestão municipal recomendou que a população permanecesse em casa até que a situação fosse controlada.

2. Salvador é segunda cidade com mais vítimas de bala perdida em 2025
Levantamento do Instituto Fogo Cruzado aponta que, entre janeiro e setembro de 2025, 26 pessoas foram vítimas de bala perdida em Salvador. Deste total, sete morreram e 19 ficaram feridas. Todos os casos ocorreram dentro dos limites do município, segundo os dados divulgados.
O número coloca Salvador como a segunda cidade com mais registros de vítimas de balas perdidas entre os 57 municípios analisados, que integram as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Recife e Belém. O Rio lidera a lista.
No total, foram 170 vítimas de bala perdida nos nove primeiros meses do ano nas quatro regiões, com 32 mortes e 138 feridos. O número representa um aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2024, quando 158 pessoas foram atingidas.
As ações e operações policiais foram responsáveis por 41% das ocorrências com vítimas de bala perdida em 2025. Nessas situações, 69 pessoas foram atingidas. Outras 32 foram baleadas durante confrontos entre grupos armados.
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro concentrou a maior parte dos casos, com 86 vítimas – sendo 17 mortos e 69 feridos. Recife aparece em seguida, com 52 vítimas, das quais seis morreram. Já em Belém, foram seis pessoas baleadas, com duas mortes registradas.
3. Mortos em chacinas policiais crescem 235% no primeiro semestre de 2025
O número de mortos em chacinas policiais registradas em Salvador e na região metropolitana aumentou 235% nos primeiros seis meses de 2025, em comparação ao mesmo período do ano anterior. Os dados foram no dia 21 de julho pelo Instituto Fogo Cruzado, que monitora a violência armada na Bahia.
O relatório aponta que foram contabilizadas 14 chacinas com 57 vítimas, contra cinco chacinas e 17 mortos em 2024.
O levantamento mostra que 43,5% das mortes por armas de fogo ocorreram durante ações policiais. Das 700 pessoas mortas entre janeiro e junho, 305 foram atingidas em confrontos envolvendo forças de segurança. No mesmo período do ano passado, o número era de 248. Já o total de feridos em ações policiais caiu de 61 para 42.
Outro dado que chama a atenção é o aumento de adolescentes baleados em operações policiais: foram 14 casos em 2025, contra três no ano anterior, uma alta de 367%. Já o número total de pessoas baleadas em ações policiais cresceu 12%, passando de 309 para 347.
4. Terreiro tombado em Salvador é vítima de vandalismo
A Casa de Oxumarê, um dos terreiros mais antigos e significativos do candomblé na Bahia, foi alvo de vandalismo na Avenida Vasco da Gama, em Salvador, em maio.
Um membro da Torcida Organizada Bamor (TOB) foi flagrado pichando o muro do terreiro com a sigla da torcida, horas antes do clássico entre Bahia e Vitória, que terminou com vitória do Tricolor na Arena Fonte Nova.
Em vídeo que circula nas redes sociais, o suspeito aparece pichando o muro do terreiro com a sigla TOB. Nas redes sociais, a Casa de Oxumarê pediu por respeito e ética. "A destruição de um patrimônio sagrado revela a urgência de um compromisso coletivo com os valores que sustentam uma sociedade justa e harmônica. O respeito à diversidade religiosa, à cultura do povo negro e aos espaços sagrados é um dever de cada cidadão. [...]”.
5. Casos de feminicídio crescem 50% em 8 anos na Bahia
Em oito anos, a Bahia registrou 790 feminicídios, um aumento de 50% entre 2017 e 2024. Isso significa que, em média, uma mulher foi vítima de violência de gênero a cada três dias no estado. Em 2024, foram registrados 111 casos, uma redução de 3,5% em relação ao ano anterior, quando houve 115 assassinatos.
Os dados são da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), em parceria com a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-BA), e foram obtidos a partir da sistematização de Boletins de Ocorrência (BO) registrados pela Polícia Civil (PC) entre 2017 e 2024.
Em termos comparativos, em 2024, 1,4 mulheres a cada 100 mil baianas foram vítimas de feminicídios, enquanto em 2017 a taxa foi de 1 mulher a cada 100 mil mulheres na Bahia. Em 2024, de cada cinco mulheres mortas de forma violenta, duas foram vítimas de feminicídios. Além disso, pelo menos um feminicídio foi registrado em 73 dos 417 municípios da Bahia no ano passado.
A pesquisa também revela que 72,1% dos feminicídios ocorreram dentro da residência das vítimas, enquanto 22,1% ocorreram nas ruas. Quanto à autoria dos crimes, 84,4% dos agressores eram parceiros íntimos das mulheres, como companheiros, ex-companheiros ou namorados.
O perfil das vítimas mostra que a maioria era composta por mulheres adultas, com idades entre 30 e 49 anos, negras (pretas e pardas) e não solteiras.

Cenário dos Direitos Humanos na Bahia
Secretário de Justiça e Direitos Humanos do estado, Felipe Freitas admite que a violência é um dos principais desafios enfrentados pelo governo do estado para garantir direitos fundamentais à população baiana.
O gestor classifica a segurança pública como “problema nacional” que tem ocupado “parte importante do trabalho” do governo estadual. “Trabalhamos em várias frentes nesse tema, buscando garantir uma política de segurança pública que trate e cuide da agenda dos direitos humanos”, assegura, em entrevista ao Aratu On.
Neste cenário, Freitas destaca o programa Bahia Pela Paz, principal aposta do governo Jerônimo para conter o avanço da criminalidade no estado. O projeto propõe integração de ações sociais de prevenção e redução da violência, de caráter antirracista, tendo como foco prioritário as camadas mais vulneráveis à violência e à pobreza na nossa sociedade.

Felipe Freitas indica, ainda, que a gestão dos direitos humanos tem preocupação quanto os números da letalidade policial. “O governador determinou que nós lançássemos um plano relacionado a esse tema com metas bastante ambiciosas, ao estabelecimento de protocolos mais claros, tanto no que diz respeito à investigação dos casos de abuso, quanto no que se refere a regras mais transparentes de como a polícia deve atuar”, explica.
Ele cita, ainda, um projeto de lei enviado por Jerônimo à Assembleia Legislativa (AL-BA) para estabelecer um código de ética para as forças policiais. “Vai ser um instrumento que vai aperfeiçoar tanto a parte da formação, como os instrumentos para fiscalização do trabalho dos policiais”, estima. “Essa é a aposta que o governo do estado tem feito, que se beneficia em grande medida do uso de câmeras corporais, que é um instrumento importante”, acrescenta.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Bahia (OAB-BA), Cínzia Barreto faz críticas ao modelo de segurança pública implementado pelo governo da Bahia. Para ela, os padrões de combate ao crime transformam vidas, principalmente de jovens negros e periféricos, em “números descartáveis”. “Essa lógica dialoga com o conceito de necropolítica de Achille Mbembe, onde o Estado decide quem pode viver e quem pode morrer”, critica.
Na visão dela, a Bahia enfrenta “desafios estruturais graves que comprometem o dever público de resguardar a defesa dos direitos humanos. ”
Para ela, o sistema não opera para proteger vidas, mas “para selecionar quais vidas importam”. “É urgente substituir esse modelo por uma política de segurança baseada em inteligência, prevenção, preservação da vida e respeito aos direitos fundamentais”, propõe.

Ela reforçou, ainda, o papel da comissão da OAB para os cidadãos. “Tem sido voz ativa na luta contra a tortura, o racismo, as violações à liberdade de expressão e na defesa de povos indígenas, entre outras pautas essenciais”, enaltece.
Cínzia explica que o colegiado recebe e encaminha denúncias, acompanha casos, fortalece atuação conjunta com movimentos sociais e instituições, promove debates e atua em rede para garantir que as violações não sejam invisibilizadas. “É uma frente de vigilância permanente, de diálogo comunitário e de pressão institucional para que os direitos humanos sejam efetivamente respeitados”, destaca.
Iniciativas do governo do estado
Felipe Freitas destaca que o governo atua em direitos humanos atendendo públicos específicos como crianças, idosos, pessoas com deficiência e LGBT, além de combater trabalho escravo e infantil.
No combate à violência contra a mulher, o governo investe em salas especializadas, conscientização em escolas e auxílio aluguel para vítimas. A Secretaria de Justiça articula com outras secretarias para programas como o Bahia Sem Fome e projetos para comunidades indígenas e quilombolas, visando autonomia e redução da pobreza.
Por fim, o governo inaugura Centros de Referência LGBT, como o de Juazeiro, para apoio técnico e atendimento direto.

Proteção social em meio à desigualdade social
Para a chefe da Comissão de Direitos Humanos da OAB, é necessário haver ação integrada, com foco na redução das vulnerabilidades e no enfrentamento de estruturas de opressão como racismo, patriarcado e pobreza.
Neste sentido, ela crê que o Estado precisa promover fortalecimento de políticas públicas, financiamento adequado para serviços essenciais, responsabilização efetiva em casos de violação e ações que confrontem diretamente o que classifica como “lógicas que tornam algumas vidas descartáveis”.
“Debater a proteção dos Direitos Humanos é essencial para reforçar a dignidade humana como valor central e para lembrar que ela precisa ser garantida na prática, por meio de políticas públicas, legislação efetiva e de um sistema de justiça que funcione”, finaliza.
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