Dia da Cultura e da Ciência destaca pesquisas sobre memória de Salvador

Homenagem ao nascimento do baiano Rui Barbosa, Dia da Ciência e da Cultura remete a herança histórica e inovação

Por Júlia Naomi.

Em cada canto de Salvador, a vida cotidiana acontece em um ambiente tão imerso em história que, muitas vezes, as memórias que o habitam podem passar despercebidas. Assim, no Dia da Ciência e da Cultura, destaca-se o papel de pesquisas e iniciativas culturais que utilizam de recursos inovadores para registrar, recuperar e preservar a herança cultural do povo baiano.

Dia da Cultura e da Ciência homenageia aniversário de Rui Barbosa. Imagem do Arquivo Público da Bahia. Foto: Carol Garcia / GovBa

Exemplo deste trabalho é a localização de um cemitério de escravizados que funcionou por cerca de 150 anos, no local onde hoje fica localizado o estacionamento da Pupileira, na Santa Casa de Misericórdia da capital.

Como parte de sua pesquisa de doutorado, desenvolvida na Universidade Federal da Bahia, a arquiteta e urbanista Silvana Olivieri contou ao Aratu On, em entrevista publicada em 31 de janeiro deste ano, que analisou mapas da cidade de Salvador datadas do século XVII e fez a descoberta após o cruzamento das informações com fotos de satélites da aérea atual da região do entorno do Campo da Pólvora.

Foto: Silvana Olivieri

'Foi aí que eu cheguei à localização do cemitério na área frontal da Pupileira', disse. Ela também fez uso de documentos cartográficos, artigos, trechos de livros sobre o tema e da própria escritura da Santa Casa. O cemitério foi criado e gerido ao longo de 50 anos pela Câmara Municipal no século XVII e passou para  a administração da Santa Casa da Bahia em 1740, até ser desativado em  1844. 

As primeiras escavações foram iniciadas por uma equipe de arqueólogos liderada por Jeanne Almeida Dias e Railson Cotias, no dia 13 de maio de 2025. No dia Seguinte, um ato inter-religioso foi realizado no local, em respeito às mais de 100 mil pessoas que ali foram sepultadas, segundo projeta o estudo, intitulado Levantamento Arqueológico na Área do Antigo Cemitério do Campo da Pólvora.

Esse ímpeto científico de Silvana Olivieri e da equipe de arqueólogos possibilita a recuperação de uma história apagada ao longo de 180 anos de desativação do espaço. Segundo o levantamento, os corpos enterrados no local pertencem a pessoas marginalizadas na sociedade da época como escravizados, pobres, indigentes, não batizados, excomungados, suicidas, prostitutas, criminosos e insurgentes.

Equipe de arqueólogos realiza estudo no antigo cemitério de escravizados. Foto: Divulgação

De acordo com a pesquisadora, entre as pessoas enterradas no local estão líderes da Revolta dos Búzios e da Revolução Pernambucana, além de dezenas de participantes da Revolta dos Malês, todos tratados "com o maior desprezo e abandono possível", como escreveu a estudiosa.

"Os sepultamentos eram realizados em valas comuns e superficiais, geralmente em condições bastante precárias e indignas, sem nenhuma cerimônia religiosa ou rito fúnebre".

Na entrevista, a Silvana afirma que mais do que expor um fato histórico, ela deseja promover reparação histórica, citando exemplos de memoriais e centros culturais criados a partir de locais de natureza semelhante, como o Instituto Pretos Novos do Rio de Janeiro.

No dia 30 de outubro, o Iphan determinou a interdição do espaço, a fim de garantir a integridade dos achados e possibilitar o aprofundamento das pesquisas.

Inteligência Artificial no resgate ancestral

Em uma iniciativa de reconstruir existências com dignidade, a Fundação Pedro Calmon (FPC/SecultBA), vinculada ao Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), recriou, com o uso de inteligência artificial, 40 rostos de pessoas escravizadas e libertas no período colonial e imperial. Elas receberam vozes de personalidades negras brasileiras, que declamam monólogos poéticos.

Rosto de uma mulher negra escravizada, restaurado pelo projeto

“Fragmentos da Memória" é uma entrega que reflete a importância dos nossos pesquisadores, da preservação da história para que direitos sejam garantidos, que a reparação aconteça e é um excelente exemplo de como a tecnologia quando bem utilizada, produz resultados de extrema relevância social, cultural e educacional.”, afirma o diretor-geral da Fundação Pedro Calmon, Sandro Magalhães.

As imagens do projeto foram desenvolvidas com inteligência artificial, a partir de uma pesquisa intensa sobre descrições presentes em documentos oficiais, como passaportes, livros de notas de compra e venda de escravizados, inventários, cartas de alforria, títulos de residência a africanos libertos.

As informações passaram por análises paleográficas e interpretação textual. Além disso, foi realizado um levantamento iconográfico para catalogar trajes, cenários, adereços e marcadores visíveis. O trabalho baseou-se em pesquisas acadêmicas e em referências visuais, como as pinturas de Jean-Baptiste Debret (1816–1831) e as fotografias de Marc Ferrez (1882–1885).

“Este projeto transforma documentos frios em rostos cheios de histórias. É um ato de justiça simbólica. “A memória é um importante instrumento para lembrar, mas, sobretudo para não esquecer“, complementa o diretor do Arquivo Público, Jorge X.

Acervo da Lage reúne histórias do Subúrbio Ferroviário de Salvador

No bairro do São João do Cabrito, a Associação Cultural Acervo da Laje reúne uma coleção de elementos artísticos e culturais que contam a história do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Fruto da pesquisa de José Eduardo Ferreira Santos, nascido e criado na região, a iniciativa visa proporcionar o encontro das pessoas com obras e artistas, além de estimular a ressignificação da imagem da periferia. 

Subúrbio Ferroviário de Salvador. Foto: Secom / Reprodução

Ao lado do amigo e fotógrafo Marco Iluminati, o pedagogo pela Universidade Católica de Salvador (UCSAL) e pós-doutor em cultura contemporânea pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mapeou uma rede de artistas do Subúrbio, considerados esquecidos por habitarem aquela região. A atividade durou mais de um ano, com maior concentração em 2010.

O acervo é formado por bibliotecas, hemeroteca, coleções de CDs, discos, manuscritos, croquis, conchas, tijolos, azulejos e porcelanas antigas, artefatos históricos, quadros, esculturas em madeira e alumínio, fotografias e objetos que guardam em si memória e contexto.

Além de visitar as exposições pessoalmente, nas casas 01 e 02 da Associação, o uso da tecnologia possibilita o acesso às galerias por meio da internet. A primeira fase de virtualização, com 300 obras, foi feita em 2020, em um projeto executado pelo Goethe Institut, com o objetivo de difundir ainda mais o fazer artístico da região. 

Uma das paredes internas da Casa 1 do Acervo da Laje com obras dos artistas da periferia. Foto: José Eduardo Ferreira Santos

Em 2021, com o financiamento da Fundação Gregório de Mattos, foi possível realizar a digitalização de outras 311 obras, além de escrever biografias de alguns artistas que as produziram. 

Conheça exposições do Acervo da Lage

No Acervo, encontram-se obras de artistas do Subúrbio Ferroviário e da Cidade Baixa. São eles: 

Almiro Borges, César, Otávio Bahia, Otávio Filho, Prentice Carvalho, Indiano Carioca, Perinho Santana, Nalva Conceição,  Zaca Oliveira, César Lima, Ray Bahia, Marlúcia, Zilda Paim, Ivana Magalhães, Jorge de Jesus, Índio, Raimundo Lembrança, Isa Amaral, Mila Souza, Carlos Coelho, José Leôncio, Maurino Araújo, Ana Cris, Esdras, obras de artistas de outras áreas da cidade, como Itamar Espinheira, Reinaldo Eckenberger, Renato da Silveira, Filho e Neto do Louco, Adriana Accioly, Simone Santos, Cláudio Pastro, Solon Barreto, Mario Bestetti, Chico Flores, Deraldo Lima, Valéria Simões, Nelson Maca e Luiz Pablo Moura.

Há também as obras não assinadas, dos chamados “artistas invisíveis”.

Exposições fotográficas permanentes

  • Cadê a Bonita?, de Marco Illuminati, que mostra a beleza das mulheres;
  • A Beleza do Subúrbio, coordenada por Marcella Hausen, com fotos das crianças e adolescentes dos bairros São João do Cabrito e Itacaranha.

Dia da Cultura e da Ciência 

O dia da Ciência e Cultura, que foi instituída pela Lei 5.579 de 1979, em comemoração ao aniversário de Rui Barbosa, político, jurista, ensaísta e jornalista soteropolitano. A data comemorativa tem como objetivo estimular a produção de conhecimento científico e expressões culturais em todo o país.

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